Mesmo com vínculo, escuta atenta e técnicas no repertório… algo parece faltar. O paciente entende, mas não muda. Aceita, mas não aplica. Volta semana após semana com os mesmos padrões, as mesmas falas, os mesmos conflitos.
O que está faltando pode não ser mais uma técnica. Pode ser a ausência do processo mais silencioso e decisivo da TCC: a psicoeducação.
Imagine tentar consertar um carro sem saber como ele funciona. Cada ruído vira um mistério. Cada falha, uma possível catástrofe.
Assim vive o paciente que não foi devidamente psicoeducado. Ele sente, mas não compreende. Sofre, mas não sabe nomear. Repete padrões, mas não tem mapa.
A psicoeducação é o momento em que o paciente aprende a se ler com outros olhos. Não é uma aula. É um processo de tornar compreensível o invisível.
Porque a ideia de “ensinar” ainda carrega um estigma. Parece didático. Frio. Distante. Mas na TCC, ensinar é fazer junto. É explicar com escuta. É traduzir sem reduzir.
E porque às vezes o terapeuta também não viveu uma experiência real de aplicação da psicoeducação com segurança. Falta referência. Falta repertório.
Psicoeducar não é despejar dados. É fazer com que o paciente entenda o que aquilo tem a ver com ele.
Exemplo: você pode dizer que “pensamentos afetam emoções”. Mas se ele não percebe isso na própria pele, não muda nada.
Agora imagine ele lembrando do dia em que sentiu raiva antes mesmo de entender o motivo. Você o convida a identificar o pensamento entre o estímulo e a emoção. Ele nomeia. Ele entende. Ele transforma. Esse é o momento em que a psicoeducação vira ferramenta clínica.
Durante a terceira sessão, ao falar de um conflito com o marido, ela disse: “Eu não sou suficiente”. Foi quando o terapeuta pediu que ela registrasse os pensamentos que surgem nos momentos de choro. Na sessão seguinte, ela trouxe o caderno.
Ali estava escrito: “Ele está cansado porque eu não faço nada direito.” Com base nisso, o terapeuta retomou o conceito de pensamentos automáticos. Refez a ponte entre emoção, cognição e comportamento.
Essa paciente parou de ver sua tristeza como uma “sensibilidade exagerada”. Começou a ver como um padrão interpretativo que podia ser investigado.
Essa é a pergunta que ecoa quando o cansaço não combina com o seu esforço. Quando tudo parece certo — vínculo, teoria, escuta — e mesmo assim o resultado clínico não vem.
É aí que a psicoeducação entra como espelho e ponte. Como eixo de sustentação. Como o momento em que o paciente começa a fazer sentido para si mesmo.
– Ele entende o porquê dos seus sintomas
– Ele identifica padrões com maior precisão
– Ele se torna mais ativo nas tarefas
– Ele sente que tem voz no processo
– Ele percebe que pode participar da própria mudança
E você? Passa a se sentir menos sozinha. Menos perdida. Mais terapeuta.
Antes: você termina a sessão com uma sensação difusa. “Será que ela entendeu o que falamos?”
Depois: ela te conta, com as próprias palavras, o que mudou desde a última sessão.
Antes: a tarefa de casa é feita por obrigação.
Depois: ela te mostra o que descobriu sobre si mesma enquanto escrevia.
Antes: você hesita em explicar, com medo de parecer didática demais.
Depois: você explica com confiança — e vê o rosto da paciente se abrir em compreensão.
A psicoeducação não é um conteúdo que você entrega. É uma compreensão que o paciente constrói.”
CARVALHO, Marcele Regine de; MALAGRIS, Lucia Emmanoel Novaes; RANGÉ, Bernard P.
Psicoeducação em terapia cognitivo-comportamental: um guia para psicólogos e profissionais da saúde mental. Porto Alegre: Sinopsys, 2018.
LOPES, Fernanda Machado; ASSUMPÇÃO, Francielle Pereira de; FRANÇA, Gabriel Henrique Bomfim de; OLTRAMARI, Gabriela.
Manual de psicoeducação sobre depressão, ansiedade e estresse. Porto Alegre: Sinopsys, 2022.